domingo, 3 de setembro de 2017

Retomando o Blog

Na ultima postagem tratamos de uma rápida História do Açucar e sua revolução na culinária. Ainda ligados à cana-de-açúcar, hoje vamos falar de um produto tradicional na cultura barsileira: a cachaça.
O primeiro registro histórico que temos da chamada “acqua ardens”,ou a "água que pega fogo", "água que arde", "água ardente", foi identificado na Grécia, na obra de Plínio - Tratado da Ciência, que viveu entre os anos 23 e 79 depois de Cristo.
Outro registro histórico importante sobre a cachaça ocorreu no Oriente Médio,  provavelmente resultante da política de expansão do Império Romano. Mas, todo o desenvolvimento de uma tecnologia de alambiques foi fruto dos povos árabes antigos. Eles produziram a "al raga", bebida que acaboA bebida produzida por eles era chamada de “al raga”, que deu origem ao nome da mais popular aguardente da região, o “arak”, feito à base de licor de anis e degustado com água.
Muitos séculos depois, ela foi parar nas mãos dos alquimistas da Europa, que eram, digamos assim, uma mistura de bruxos e precursores dos químicos. Em laboratórios rudimentares, a aguardente passou a ser considerada uma solução mística, com supostos efeitos medicinais. O nome original já não servia mais, e ela foi rebatizada como “eau de vie”, ou água da vida, receitada como elixir da longevidade. E a tecnologia de destilar fermentados foi se espalhando rapidamente pelo mundo. Na Itália, os produtores de vinho criaram a “grappa”, cuja matéria-prima é a uva; no que seria depois a Alemanha, surgiu o “kirsch”, um destilado de cereja; na Escócia, a cevada sacarificada proporcionou o “whisky”, que se tornaria extremamente popular em todo o planeta. a Rússia, a “vodka”, destilada do centeio, ajuda a aquecer o frio rigoroso. E no extremo oriente, o “sakê”, uma aguardente de arroz conquista o povo da região.
Inserida no contexto histórica da Europa, Portugal também desenvolveu o seu destilado, a “bagaceira”, feita a partir do bagaço de uva. E quando os navegadores lusos se lançaram ao mar, para tomar posse das terras descobertas a oeste do Tratado de Tordesilhas, a tradição de fazer e beber aguardente foi junto, e veio parar … no Brasil. Na bagagem das primeiras caravelas que aportaram na Terra de Santa Cruz, vieram também mudas de cana-de-açúcar, trazidas da Ásia. E foi ao redor das lavouras de cana que surgiram os pioneiros núcleos de povoamento da colônia. Daí até o desenvolvimento da cachaça foi um pulo. Em algum ponto entre 1532 e 1548, num engenho na Capitania de São Vicente, alguém descobriu que o vinho de cana, ou garapa azeda, deixada ao relento, em cochos de madeira, para alimentar os animais, fermentava. E se fermentava, poderia ser destilada, ora pois. Pronto, a cachaça acabava de nascer.
Do berço, a recém-nascida saiu para acompanhar os colonizadores das novas terras no estabelecimento de sesmarias, vilas e freguesias, com seus canaviais e engenhos. De São Vicente para Paraty, Angra dos Reis, Magé, até Campos dos Goytacazes, a cachaça foi ganhando o chão brasileiro e os corações do povo. Nas moendas movidas pela força de escravos, bois ou cavalos, produzia-se febrilmente o açúcar, nosso principal produto de exportação. Em meados do século XVI as “casas de cozer méis” se multiplicavam nas fazendas. A aguardente já era a principal moeda na compra de escravos na África, e muitos estabelecimentos passaram a dividir o esforço produtivo entre o açúcar e a cachaça. Mas nos livros de história o que ficou registrado foi praticamente só o açúcar.
Mesmo à revelia dos cronistas da época, o subproduto dos engenhos, chamado pelos portugueses de “aguardente da terra”, estava sempre presente. Talvez por conta disso existam diferentes versões para explicar a origem do nome. Alguns historiadores afirmam que ele vem do castelhano “cachaza”, que significa vinho de borra. Outros acham que é de origem africana. No Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, de Silveira Bueno, a palavra cachaça aparece como sinônimo de porco (cachaço) e de porca (cachaça). Estas são apenas duas das mais difundidas, mas há outras.
Com nome e processo de produção definidos, a bebida segue o seu rumo na história. A descoberta do ouro nas Minas Gerais resultou num grande fluxo de gente vinda de todos os cantos da colônia para extrair o precioso metal das entranhas das frias montanhas da Serra do Espinhaço. E no lombo dos burros, junto com os mantimentos essenciais para a sobrevivência na empreitada, os pioneiros levam, claro, a cachaça que servia de cobertor para o corpo e de consolação e estímulo para a alma. Não foi, no entanto, uma trajetória fácil. Incomodada com a queda nas vendas da bagaceira e do vinho, que o reino teimava em impor aos bebedores de além-mar, a Corte tentou por várias vezes proibir a produção, a comercialização e o consumo da cachaça. Sem sucesso, é claro, porque a aguardente tinha, além de grandes vantagens econômicas, a preferência incontestável dos brasileiros. Mas a metrópole portuguesa não se deu por vencida, e resolveu taxar pesadamente o destilado de cana. Em 1756 a aguardente brasileira foi o produto que mais contribuiu, via impostos, para a reconstrução de Lisboa, arrasada por um trágico terremoto um ano antes. Virando de novo o relógio da história, a cachaça acompanhou muito de perto o nascimento do sentimento nacionalista e do desejo de liberdade na colônia. A aguardente da terra se transformou num dos símbolos de resistência à dominação portuguesa na Revolução Pernambucana, em 1817, quando os colonizadores quiseram mais uma vez impedir a sua produção para forçar o consumo de vinho. Era ela também que freqüentava as mesas, os copos, as bocas dos Inconfidentes e da população que apoiava a Conjuração Mineira. Conta a lenda que Tiradentes teria pedido, como último desejo antes de enfrentar a forca, molhar a goela com um trago de cachaça.
Da morte do mártir da Pátria para a independência, muitos anos depois o destilado nacional conquistou lugar cativo nas festas e no dia-a-dia do palácio e da corte de dom Pedro II. O soberano foi apeado do trono, mas a tradição da cachaça ficou impregnada na genética da família real. Dom João de Orleans e Bragança, descendente direto do imperador, produz em Parati, estado do Rio de Janeiro, a Maré Alta, considerada uma das legítimas herdeiras das melhores aguardentes que a região produziu em mais de quatro séculos de história. Entusiasta da boa cachaça, o príncipe recorda a época do exílio na França, quando seu pai, dom Pedro de Alcântara, afogava a saudade do Brasil com generosos goles da bebida nacional, despachada para a Europa por fiéis súditos brasileiros.
Nascida junto com o Brasil, segundo produto industrializado nacional a ser exportado, única bebida genuinamente brasileira, a história da aguardente de cana se confunde com a própria história da Nação. Com um passado assim tão rico, com um presente que resgata a sua história e a sua importância econômica, o futuro da cachaça está batendo à porta. E certamente promete muitas, novas e grandes emoções pra quem gosta de brindar a vida com uma da boa.